Judicialização na Saúde: Estratégias para Clínicas e Hospitais

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A judicialização da saúde é uma demanda crescente na atualidade. Segundo informação do Conselho Nacional de Justiça, em 2024, notou-se um acervo de mais de 800 mil processos em andamento relacionados ao tema.

O Contexto da Judicialização e Principais Demandas

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Essa prerrogativa constitucional, aliada a um sistema de saúde público, que muitas vezes não consegue atender à totalidade das necessidades da população, faz com que as pessoas migrem para planos de saúde, que podem apresentar limitações contratuais, causando uma demanda cada vez maior ao Poder Judiciário.

A judicialização da saúde, trata-se, então, da busca de ações judiciais para garantir o acesso a tratamentos, medicamentos, exames e procedimentos com base no direito à saúde constitucionalmente assegurado, pelo SUS, ou o não atendimento do plano de saúde. Essa etapa muitas vezes é precedida de alguma resolução administrativa (extrajudicial) frustrada.

Pacientes, insatisfeitos com negativas ou demoras, veem na via judicial a única forma de obter o que consideram essencial para sua saúde e bem-estar.

Dentre as demandas que frequentemente são buscadas nas ações judiciais, é possível destacar algumas principais:

• Fornecimento de medicamentos de alto custo: Medicamentos oncológicos, para doenças raras ou de uso contínuo são frequentemente objeto de ações judiciais.

• Realização de exames e procedimentos específicos: Principalmente aqueles que não são cobertos pela tabela do SUS ou pelos planos de saúde.

• Internações em leitos de UTI: Em casos de urgência e emergência, a falta de vagas pode levar à intervenção judicial.

• Tratamentos inovadores ou experimentais: Quando as opções convencionais se esgotam, pacientes buscam o judiciário para ter acesso a terapias mais recentes.

• Cobertura de próteses e órteses: Materiais de alto valor agregado que podem ter cobertura negada.

 

Impactos para Clínicas e Hospitais

Embora o embasamento seja a garantia ao direito fundamental à saúde, o cenário da judicialização gera desafios significativos para hospitais e clínicas que precisam lidar com demandas complexas, custos elevados e flexibilização da contratualização.

O cumprimento de decisões judiciais, muitas vezes em caráter de urgência, pode gerar despesas não planejadas e onerar significativamente o orçamento.

Isso porque, em hospitais e clínicas privados, que mantém serviço público (contrato do com o gestor público), há uma pactuação em relação ao número de leitos, especialidades atendidas e o valor da verba a ser disponibilizada, de modo que, atender um paciente advindo de ordem judicial, pode fugir do limite contratual e acabar por impactar o plano de trabalho de modo a onerar a instituição, além de impactar o planejamento estrutural seja de fluxo, mão de obram etc.

As instituições de saúde também encontram percalços relacionados a questões morais e éticas, pois as decisões judiciais, em alguns casos, podem determinar a realização de tratamentos que os profissionais de saúde consideram questionáveis do ponto de vista técnico ou ético, o que poderia afrontar a boa prática da profissão.

Ainda, há uma preocupação quanto à exposição em processos judiciais diante da opinião pública pois, ainda que a instituição adote práticas corretas, pode ocorrer de gerar uma percepção negativa.

Estratégias para lidar com a Judicialização

Diante de um cenário crescente de judicialização da saúde e decisões judiciais favoráveis, clínicas e hospitais precisam adotar estratégias proativas para mitigar os impactos e, sempre que possível, evitar que as demandas cheguem ao Judiciário.

• Padronização de Protocolos e Diretrizes: desenvolver e seguir rigorosamente protocolos clínicos baseados em evidências científicas e diretrizes do Ministério da Saúde e agências reguladoras (como a ANS para planos de saúde), além de outras normas e legislações aplicáveis;

• Documentação Completa e Detalhada: manter registros médicos de forma correta, com informações claras sobre diagnósticos, tratamentos propostos, justificativas e comunicações com o paciente;

• Treinamento da Equipe para o Atendimento: capacitar toda a equipe, da recepção aos médicos, para um atendimento humanizado, empático e informativo. Muitas ações judiciais nascem da sensação de desamparo ou falta de informação;

• Comunicação e Transparência nas Informações ao Paciente: assegurar que o paciente e sua família compreendam claramente o tratamento, as coberturas, os procedimentos e os motivos de eventuais negativas;

• Educação do Paciente: fornecer informações claras sobre os limites da cobertura dos planos de saúde e do SUS, e explicar os motivos de certas decisões clínicas, sempre com base em evidências e protocolos;

• Mediação de conflitos: havendo conflito, pode-se buscar uma solução amigável que seja mais vantajosa do que um processo judicial;

• Canais de Atendimento Eficientes: oferecer canais de comunicação claros e acessíveis para que os pacientes possam tirar dúvidas, fazer reclamações e buscar soluções internamente antes de recorrer ao judiciário;

• Assessoria Jurídica Especializada: contar com advogados com expertise em direito da saúde é fundamental para a análise de casos, elaboração de defesas e acompanhamento de processos, acompanhamento de decisões dos tribunais e teses jurídicas. A atuação da equipe jurídica também engloba a elaboração e análise de contratos, implementação de compliance etc;

• Revisão de Contratos e Apólices: é importante revisar periodicamente os contratos para garantir clareza nas coberturas e serviços prestados e evitar brechas para interpretações diversas;

• Colaboração com Outras Partes: manter um diálogo constante com as operadoras de saúde, com o Poder Público (serviços SUS) e com as entidades de classe para encontrarem soluções conjuntas.

 

Conclusão

A judicialização da saúde é uma realidade complexa que exige das clínicas e hospitais uma postura estratégica e multifacetada. Ao investir em uma gestão interna robusta, comunicação transparente, assessoria jurídica especializada e colaboração com outras partes, as instituições podem não apenas minimizar os riscos e os custos associados às demandas judiciais, mas também fortalecer a confiança dos pacientes e aprimorar a qualidade dos serviços oferecidos.

Referências

https://www.cnj.jus.br/semana-nacional-da-saude-no-judiciario-impulsionara-julgamento-de-processos/

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Alan Martinez Kozyreff é advogado, professor universitário, doutorando em Ciências Farmacêuticas, mestre em Direito da Saúde, especialista em Direito e Processo do Trabalho, Direito Previdenciário.

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