Medicina defensiva ou medicina defensável?

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Imagine a seguinte situação: um jovem chega ao consultório queixando-se de dores no peito. Após uma avaliação clínica cuidadosa e exames iniciais que não apontam nada de anormal, o médico conclui tratar-se de um caso de indigestão. Ainda assim, solicita uma bateria de exames caros para descartar a hipótese de um infarto. Ao final, nenhum problema é encontrado. O paciente não estava em risco, mas o profissional de saúde estava. Não pela condição clínica, mas pelo medo de ser processado.

Esse é um exemplo clássico da medicina defensiva: uma prática que tem crescido no Brasil e no mundo, marcada por condutas que visam mais proteger o profissional de eventuais ações judiciais do que atender o melhor interesse do paciente.

A raiz da medicina defensiva está em um sistema que, muitas vezes, pune a incerteza clínica como se fosse negligência. O receio de litígios, somado à ampla exposição da responsabilidade civil dos profissionais de saúde, gera uma cultura de medo. E o medo, como se sabe, é um conselheiro ruim na tomada de decisões.

Nesse contexto, muitos médicos acabam exercendo a medicina não com base apenas em seu julgamento técnico, mas em uma busca constante por se resguardar legalmente. Isso gera um desequilíbrio na prática médica, que passa a ser orientada não só pela evidência científica, mas também por uma estratégia de sobrevivência profissional.

Como a medicina defensiva se manifesta?

Na medicina defensiva, o médico extrapola o necessário. Solicita exames excessivos, internações preventivas, faz encaminhamentos por precaução e adota condutas que nem sempre estão alinhadas às boas práticas clínicas. Em casos mais graves, evita pacientes de alto risco ou escolhe especialidades com menor índice de processos.

Não se trata apenas de um excesso de zelo. Trata-se de uma distorção do foco da assistência: em vez de olhar para o que é melhor para o paciente, a atenção se volta para o que é mais seguro juridicamente. Esse comportamento, ainda que compreensível, pode causar efeitos adversos importantes:

  • A relação de confiança com o paciente é abalada, pois ele é exposto a condutas desnecessárias ou a uma postura excessivamente burocratizada;

  • A segurança e a qualidade da assistência são comprometidas por intervenções que, além de pouco eficazes, podem causar danos;

  • Os custos do sistema de saúde são inflacionados por procedimentos e exames de baixo valor clínico;

A própria saúde mental dos profissionais é afetada por uma rotina marcada pela tensão constante e pela busca de blindagem legal.

Estudos internacionais mostram que grande parte dos médicos admite prescrever exames e tratamentos desnecessários para evitar litígios. Mas esse comportamento não só é ineficaz como estratégia de defesa, como também pode aumentar os riscos ao paciente.

Qual o papel do assessoramento jurídico?

Nesse contexto, a assessoria jurídica especializada em Direito Médico desempenha um papel essencial para transformar a medicina defensiva em medicina defensável: aquela baseada em evidências, no respeito à autonomia do paciente, na documentação adequada e em protocolos bem definidos.

Com apoio jurídico, o profissional da saúde pode:

  • Elaborar e aplicar corretamente termos de consentimento livre e esclarecido;

  • Manter prontuários completos e adequados;

  • Receber orientações sobre riscos legais reais e medidas preventivas;

  • Ser assistido em sindicâncias e processos ético profissionais;

  • Ter mais segurança na tomada de decisões clínicas.

A assessoria jurídica especializada não é apenas reativa, ela é essencialmente preventiva. Atua para educar, orientar e estruturar a prática médica de modo que esteja juridicamente segura e tecnicamente fundamentada. Dessa forma, contribui para reduzir riscos, promover a transparência e aumentar a confiança entre profissional e paciente.

Medicina com foco no paciente



A medicina não é uma ciência exata. Por mais avançadas que sejam as tecnologias ou precisos os protocolos, a imprevisibilidade é parte da experiência clínica. O erro é pensar que condutas exageradas garantem segurança jurídica. Pelo contrário: podem gerar mais riscos.

Por isso, defendemos uma medicina eticamente responsável, tecnicamente fundamentada e juridicamente segura. E isso se alcança com conhecimento, prevenção e suporte especializado.

Na dúvida entre praticar uma medicina defensiva ou defensável, opte pela que coloca o paciente no centro e se respalda na boa prática da medicina e no direito.

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Alan Martinez Kozyreff é advogado, professor universitário, doutorando em Ciências Farmacêuticas, mestre em Direito da Saúde, especialista em Direito e Processo do Trabalho, Direito Previdenciário.

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